sexta-feira, 22 de setembro de 2017

O caminho são só as paisagens, os pássaros cantando, as igrejas, as ermidas, os  monastérios ou tem algo mais?

Esta pergunta continua em minha mente. Será que o caminho tem outro significado?
Sim, entendo que tem algo mais. A satisfação de percorrer um caminho que teve e tem significado na formação de nações na Europa, ou seja, uma rota histórica na cultura e na arte. A satisfação de saber que caminhando ali, partilhei de lugares e paisagens que reis, rainhas, ricos e pobres também estiveram. Compartimos sonhos, desejos, força para vencer obstáculos, sacrifícios, prazeres.
É um lugar em que sentimos o Sagrado. Tudo é belo, quem mais poderia ter feito aquelas maravilhas? É perfeito demais, a perfeição é sempre divina. Somos privilegiados em poder sentir, ver e ouvir o que a “perfeição” criou.
No meu caso, o caminho foi maravilhoso por um tema em particular.  A liberdade, valor fundamental a todos os seres humanos. No caminho de Santiago de Compostela, de acordo com José Fernández Arenas (Elementos Simbólicos de la peregrinación Jacobea) estamos fora do tempo, do espaço e da lei, ou seja, fora das normas sociais. A sensação é que estamos em outro lugar, o lugar do espírito, do extraterreno.
Preciso de minha liberdade, sempre a busquei para ser independente e seguir o caminho que escolhesse nesta vida, arcando com êxitos e fracassos. O caminho permitiu não me preocupar com as regras de comportamento sociais, era estrangeira em terra alheia (peregrina). Me senti encaixada naquele ambiente, em que a única regra é o respeito mútuo.
Ali não havia críticas ou olhares reprovadores de outros peregrinos, todos fazíamos o que queríamos e quando queríamos, não havia cobranças sociais de beleza externa, mas a busca da beleza e da paz interior; a elegância cedeu lugar a praticidade na vestimenta; se você era gordo ou magro, andava rápido ou devagar, pouco importava, o que importava era chegar a Catedral em Santiago, abraçar o Apóstolo ou simplesmente desfrutar da beleza e história daquela cidade. Ali ninguém queria saber se você era empresário, empregado, milionário, pobre, herói, santo.  Estávamos concentrados em nossos próprios pensamentos, buscando sentir o que a natureza nos proporcionasse de sensação prazerosa ou de dor, não tínhamos tempo de criticar o próximo. A certeza era que deveríamos ser receptivos e solidários a todos que quisessem se aproximar de nós, como se vivêssemos em outro tempo e outro espaço.
Pode não ser esta a resposta de outros peregrinos, é a minha. Porém, continuo pensando uma vez que ainda estou no caminho da vida. E, amanhã é outro dia.

Mirânjela
01/08/2017





O que senti ao chegar a  Praça de Obradoiro em Santiago de Compostela?

Chegar a praça do Obradoiro em Santiago de Compostela, após percorrer cerca de oitocentos quilômetros a pé, certamente envolve emoções. Descrever tais emoções em palavras é fácil para os poetas, não é meu caso. Eu só consigo dizer que caminhei e estava em “estado de graça”, uma espécie de levitação espiritual, uma leveza da alma e do espírito, até do corpo, uma alegria infinita.
Assim, chegar a Praça, claro que me deixou satisfeita e emocionada por ter conseguido superar os desafios de todas as etapas, porém, com um sentimento de tristeza no ar. E agora? Acabou? O caminho termina aqui?
Penso que quase todos os peregrinos, com maior ou menor intensidade, passam pelo mesmo dilema, curtir a emoção da chegada ou a tristeza da partida? Foram tantos os momentos de introspecção e de vida simples, pois a rotina do caminho é sempre a mesma: despertar, caminhar, comer, dormir, não há dúvidas sobre o que fazer. Neste ínterim observar a natureza (que segundo expressão de São Paulo (Rom. 1-20), conhecer a natureza leva ao conhecimento de Deus (per visibilia ad invisibilia)[i]; não exigir nada das pessoas que estão ao nosso redor, exceto uma troca de sorrisos ao cruzarmos em algum ponto do caminho e as vezes um cumprimento “buen caminho”; dar e receber atenção. Todos estamos naquele caminho com o coração aberto, dispostos a intercambiar sentimentos e emoções. Curiosos para saber os motivos que fizeram cada um de nós, sair do conforto de nossas casas, para caminhar em terras de Espanha. Porque elegemos este caminho e não outros?
Próximo do final, surgem algumas incertezas: e agora? Como será voltar para casa?  Como enfrentar os problemas que deixamos em suspenso? Eventualmente, como voltar a uma vida que consideramos sem objetivo, vazia, sem brilho? Descobrimos que caminhar no meio de estranhos deu sentido a nossas vidas, ali fizemos amigos de várias nacionalidades, entregamos nosso coração e contamos nossos segredos para pessoas desconhecidas, estivemos abertos a novas experiências, até mesmo a sentir dor e, concluímos que o mais prazeroso foi compartilhar nosso espaço, a beleza da vida...isto deixará saudades.
Depois da chegada, podemos entrar na Catedral, abraçar a imagem do Santo, visitar o sepulcro, participar da missa do peregrino, rituais que realizamos ou não.  No meu caso, optei por fazê-los, apesar de meu objetivo no caminho não ser religioso (acho que não me afastei totalmente dos dogmas cristãos). Me emocionei, não pelos rituais, mas ao lembrar do “caminho” que trilhei na minha vida para estar presente naquele local, sentindo as energias positivas que emanavam do ambiente e de cada peregrino. Pensar nas lutas que travei na vida, os sucessos, os fracassos, as perdas de familiares e amigos queridos, é impossível que não me viessem lágrimas de emoção, as vezes copiosas, espontâneas, mas efetivamente de emoção, de gratidão pela vida, pelo caminho até aqui percorrido. O caminho continua...
Ultreya!





[i] Livro: elementos simbólicos de la peregrinación Jacobea, José Fernández Arenas, editora Edilesa Ensayo, pág. 14

ETAPA 32: LAVACOLLA - SANTIAGO DE COMPOSTELA (31/05/2017) – 10km
Cheguei a praça do Obradoiro em Santiago as 10h! Claro que sentimos muita emoção quando logramos o que planejamos. Depois do Monte do Gozo, passei a ouvir as músicas que havia preparado para aquele momento de emoção pura, “My Way” com Frank Sinatra,”I am what I am” com Gloria Gaynor!!!
Sim, eu havia conseguido realizar todas as etapas do caminho francês...e do meu jeito! Tudo é possível quando sabemos o que queremos alcançar!! Planejamento, estratégia, treinamento e determinação são muito importantes! Força, fé e foco nos levam ao êxito em qualquer empreendimento de nossas vidas!!
Após pular de alegria por chegar a praça. Parti para cumprir o ritual de todo peregrino. Fui a missa do peregrino as 12 horas, abracei a estátua de Santiago e visitei o sepulcro, para agradecer por todo apoio que recebi no trajeto. Depois sai para almoçar com meu amigo Leonardo (Leo), que partiria no dia seguinte! Em seguida fui para a longa fila para obter a compostelana. Meu caminho foi um sucesso, logrei refletir, ouvir e sentir a natureza, contemplar o universo! Muito grata pelo privilégio de desfrutar deste caminho!! Amém. 

Saindo para Santiago de Compostela


Monte do Gozo










Peregrinos de Recife/PE

Passeando pela cidade de Santiago de Compostela


Fila para Compostelana. Aqui acaba o "glamour" do caminho.

Compostelana

Certificado de distância percorrida



Amigos de Santa Catarina e Pernambuco

Catedral e o céu, sempre belo!




ETAPA 31: ARZÚA – LAVACOLLA (30/05/2017) – 28 km
Partida as 07:30h e chegada as 14:30 horas
Etapa tranquila. Bosque belíssimo na saída de Pedrouzo, vale a pena parar para sentir o vento e escutar o som dos pássaros! Fui bem devagar, queria sentir o último ventinho no corpo, o canto dos pássaros, a visão da natureza, o pisar na terra, tudo era emoção, tudo muito lindo!
Ao chegar no local de pousada, e pensar em tudo por que passara, não só no caminho como na vida até aquele momento, a emoção bateu forte! Momentos de choro e euforia simultâneos. A gratidão era imensa! O universo tinha sido muito generoso e carinhoso comigo. Só tinha palavras de gratidão! Além de gratidão ao universo, gratidão para os que estiveram do meu lado, no caminho e na vida. Neste caminho em 2017, sempre serei grata a José Perez, peregrino que conheci em 2013 e, que a partir de então passei a acompanhar suas idas ao caminho francês! Sempre generoso e disposto a ajudar os demais peregrinos, os do caminho e os que estão próximos a empreender!! Obrigada amigo, que sua vida seja sempre abundante em riquezas espirituais, pois você distribui muita alegria e espiritualidade a todos que tem o privilégio de cruzar seu caminho nesta terra! Obrigada por me acompanhar 33 dias, virtualmente, sempre com palavras de orientação e incentivo para continuar e dar o próximo passo!
Gratidão a familiares que me acompanharam, virtualmente, no caminho. Fátima, irmã que esteve presente em bons e maus momentos, acompanhou minha evolução como pessoa e, torceu para que eu sempre estivesse bem e feliz!!! Minha sobrinha Renata, filha de Fátima, também companheira de jornada, sempre presente e disposta a ajudar. Menina/mulher forte, sorriso carinhoso! Minha sobrinha Tereza Múrcia (filha de minha irmã já falecida Terezinha (Teca)), uma guerreira que apesar das perdas, segue na luta e na fé para construir sua vida com seu esposo e lindos e amados filhos!
Tudo tinha sido muito emocionante! Eu realmente estava em estado de “graça” de tanta felicidade! O tipo de felicidade que aquece o coração, que nos dá muita paz!!      Obrigada ao Universo!!! Obrigada a todos!!



 




Bosque saindo de Pedrouzo





Próximo ao aeroporto

Botas resistentes ao segundo caminho

Pés que me carregam no caminho e na vida.
ETAPA 30: PALAS DE REI – ARZÚA (29/05/2017) – 29 km
Partida as 07:30h e chegada as 15:30 horas
Continuaram as subidas e descidas, mas sem oferecer dificuldades e, claro a chuva. Encontrei algumas pessoas que havia encontrado ao sair de SJPP, como os Srs. Paulo e Joca (Mario) de Recife/PE, a gaúcha Carmen, a Fabiana de SP, e tantos outros brasileiros, foi muito bonito, parecia que já começava a despedir-me de pessoas maravilhosas e que, sem querer te ajudam a seguir em frente.

Estava chegando ao final de meu caminho, estava emocionada a cada passo que dava, mas vibrava de felicidade comigo mesma! Todo o esforço do treinamento até aquele momento, tinha sido super valido! Foram muitas emoções, reflexão interior, além de conhecer pessoas maravilhosas. Fiz o caminho como queria: leve, feliz e com saúde total! Algumas dores nos pés, joelhos, normal, o que importava era que estava me sentido VIVA!!!!










Caminhando com crianças


Arzúa

ETAPA 29: PORTOMARÍN – PALAS DE REI (28/05/2017) – 25km
Partida as 07:30h e chegada as 14 horas

Galícia chove muito. Já enfrentara chuvas em 2013, quando fui em outubro. Agora, apesar de mudar o período para o mês de maio, enfrentei a chuva. Considero menos prazeroso o caminho na chuva, devido a ter que prestar atenção nos movimentos da caminhada, cuidar para não escorregar e outros detalhes. Focamos muito no trajeto, não observamos a natureza. A Galícia tem muitas subidas e descidas, mas oferece lindas paisagens. A partir km 10 meu joelho esquerdo reclamou, assim, tive que parar e repassar “gelol”, além de caminhar bem mais lento. Ao chegar a pousada Casa Camiño, fui muito bem recepcionada e solicitei gelo, no que me atenderam prontamente. Além do gelo, tomei um “Torsilak”, para aliviar a dor.  Desta vez tive que repousar e não caminhei muito pela cidade, para não agravar o problema.

Muitos peregrinos no caminho

Caminhando em fila "indiana" em razão grande número de peregrinos


Peregrino com seu cão